DEMOCRACIA E VIOLAÇÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS EM TEMPOS DE CRISE

Vivemos tempos difíceis, onde os direitos consagrados pela nossa carta Magna parecem perder a passos largos o valor, ofuscando o sentido poético, quase utópico de uma sociedade justa, livre e solidária. Digo isso não somente pela crise decorrente da pandemia da covid-19 que de fato tem aterrorizado o mundo, mas também por constatar através dela, uma triste realidade, que somos incapazes de enfrentar crises sem que sejam violados o que acredito ser nossa maior conquista os “Direitos Fundamentais”.

Alguns podem achar que a suspensão de direitos é um mal necessário como forma de viabilizar as medidas adotadas para o enfrentamento de emergência decorrente da pandemia do novo coronavírus, que situações excepcionais devem ser tratadas de forma excepcional, ledo engano, pensamentos como estes não tenham duvidas dão azo a arbitrariedades e constitui um verdadeiro retrocesso a democracia.

Os direitos fundamentais são conquistas históricas e em hipótese alguma podem ser violados a pretexto de “crises” sejam elas politicas, decorrentes de pandemias ou quaisquer outras pragas voadoras que por ventura ameassem pousar em nosso país.

Mas como garantir esses direitos se em plena pandemia o que se vê é uma verdadeira queda de braços entre nossas instituições governamentais, que a pretexto de cuidarem de matéria da competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, instauraram no Brasil um verdadeiro estado inconstitucional de coisas tendo como plano de fundo a tão temida e avassaladora pandemia “Covid-19”

Não se desconhece é bom que se diga que é da competência privativa da União legislar sobre determinadas matérias a exemplo da limitação ao direito de reunião, intervenção da propriedade, interrupção de atividades econômicas, matérias relativas ao direito civil, comercial, desapropriações, requisições civis etc., podendo a união inclusive, através de lei complementar delegar aos Estados a competência para legislar sobre questões específicas relacionadas a essas matérias (Art.22, Parágrafo Único da CF).

Entretanto tal competência delegada, somente poderia ser exercida através da criação de Lei Complementar, nunca por uma enxurrada de decretos Estaduais e Municipais que acabaram por restringir direitos fundamentais amplamente garantidos em nossa Constituição Federal, como o direito de ir e vir, (art.5ª, XV) de fazer ou deixar de fazer, (art.5ª, II) o direito de reunião, (artigo 5º, XVI) o direito social ao lazer (artigo 6º), o livre exercício de cultos religiosos, (art.5ª, VI) dentre outras não menos importantes como o direito à liberdade e a intimidade, (art.5ª, X) a exemplo do que ocorreu no Estado de São Paulo quando o Governador Decretou o monitoramento de pessoas por operadoras de telefonia celular para o cumprimento do isolamento social imposto como medida de contenção e prevenção à propagação do vírus que assola a humanidade, um absurdo.

Essa situação ganhou proporções ainda maiores quando o STF guardião da Constituição Federal em sede liminar ao julgar a ADPF 627/DF resolveu impedir o Presidente da Republica de suspender os decretos estaduais, por um decreto federal. Muito embora tenha o Ministro Alexandre de Moraes, salientado ao conceder a liminar a necessidade da criação de Leis para supri-las, tal decisão foi interpretada por governadores e prefeitos como uma carta branca do STF para que independentes, pudessem adotar suas próprias medidas para contenção da propagação do covid 19, mesmo que em conflito com aquelas diretrizes apresentadas pelo Governo Federal, o que deu ênfase a crise institucional a muito vivenciada nos bastidores da politica nacional.

Sim, vivemos um verdadeiro estado inconstitucional de coisas, um colapso federativo entre os três poderes, certo é que, não existe amparo constitucional para limitar, ainda que transitoriamente e em nome de crises sejam elas politicas ou pandêmicas, direitos fundamentais senão o estado de defesa (art.136) e o estado de sítio, (art.137) medidas extraordinárias previstas na  Constituição Federal, e que buscam restabelecer ou garantir a continuidade da normalidade constitucional ameaçada.

Nada absolutamente nada em tempos de paz justifica a supressão de direitos, ainda mais quando justificados politicamente como medidas autoritárias necessárias em beneficio do próprio povo. 

John Locke filósofo britânico ao escrever sobre a missão do Direito resumiu: “O fim do Direito não é abolir nem restringir, mas preservar e ampliar a liberdade.”

Como consequência a violação dos direitos fundamentais e a crise federativa, em meio a decretos, vetos e liminares acreditem, a ainda aqueles que buscam lucrar com a desgraça alheia, desviando milhões dos cofres públicos, verbas que deveriam ser destinadas ao enfrentamento da pandemia, agora com destino incerto já que em decorrência do estado de calamidade pública decretado pelo governo federal houve a necessidade de flexibilização das normas que tratam das licitações e dos repasses financeiros.

Essa flexibilização somente foi possível com a promulgação da LEI Nº 13.979, DE 6 DE FEVEREIRO DE 2020 denominada Lei do coronavirus, que passou a permitir por exemplo, a compra de insumos para combate à Pandemia, sem a necessidade de licitação, aumentando-se os casos de corrupção de norte a sul do Brasil.

Voltando a violação de direitos, em seu art. 3º a supracitada Lei, trouxe a possibilidade das autoridades politicas adotarem, no âmbito de suas competências, dentre outras, medidas de Isolamento e quarentena. No entanto, estas medidas não autorizam o isolamento indiscriminado dos cidadãos com a restrição de direitos de ir e vir ou de fazer ou deixar de fazer, como as adotadas pela maioria dos Estados Brasileiros, mas somente em casos específicos já que em seu art.2º, incisos I e II, a supracitada Lei, trouxe a definição de Isolamento como sendo: “separação de pessoas doentes ou contaminadas, ou de bagagens, meios de transporte, mercadorias ou encomendas postais afetadas, de outros, de maneira a evitar a contaminação ou a propagação do coronavírus”; e Quarentena: “a restrição de atividades ou separação de pessoas suspeitas de contaminação das pessoas que não estejam doentes, ou de bagagens, contêineres, animais, meios de transporte ou mercadorias suspeitos de contaminação, de maneira a evitar a possível contaminação ou a propagação do coronavírus”.

Logo, as restrições de direitos fundamentais como a proibição de frequentar parques, praças, praias, bares, templos religiosos e demais locais públicos, fora desses casos específicos somente teriam legalidade se advindas de Lei complementar jamais por imposição de decretos.

Patente, pois a violação dos nossos direitos fundamentais sem os quais, a democracia esta fadada a afundar em nome da crise institucional que se instaurou em nosso país.

Nunca é demais lembrar a essência democrática da Constituição Federal Brasileira de 1988, que já em seu artigo 1º, paragrafo primeiro traz: “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”. Esse  texto abriga em si a responsabilidade que o Estado brasileiro assumiu com o seu povo: garantir a cidadania, a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa.

A partir do momento em que o Estado não consegue garantir esses direitos, ele está falhando do ponto de vista constitucional, o que é preocupante já que não se pode falar em democracia, onde impera a desordem politica, a corrupção, o desiquilíbrio entre os poderes, e a liberdade e os direitos fundamentais são constantemente violados.

E assim o Brasil segue a deriva e o povo bravamente sobrevive amparado pela velha politica do pão e circo, mas até quando?